13/04/2018
Comentários do recital do Duo Mignone, no Centro Cultural Francisco Mignone.
Como um milagre, surgiu no
panorama musical artístico
do Rio de Janeiro, um
esplêndido duo formado por
duas figuras da maior
relevância das nossas salas
de concerto: a mezzo
soprano Carolina Faria e a
pianista Eliara Puggina
(foto ao lado).
Uma plateia pequena mais
atenta, cerca de 40 pessoas,
assistiram em êxtase, um
recital da mais alta e
refinada arte, digno de
representar o país, em
qualquer lugar do mundo.
De início, um clássico, o
poeta da música, o jovem
Schubert com 18 anos
somente, e uma obra prima:
Gretchen am Spinnrade.
(Margarida na Roca).
Inspirado num trecho do
Fausto, de Goëthe, o lied,
narra as agruras de
Margarida, que desfia as
suas angústias, enquanto
pedala a roda da roca,
fiando, o seu próprio
infortúnio: O piano escreve
o movimento do aparelho, que
roda solidário com os
sentimentos da moça.
Desolada, ela perdeu a calma
no seu conturbado coração –
a tensão aumenta e depois se
acalma em saudades pelo seu
amado, concluindo “nos seus
beijos poderei morrer”.
Eliara transformou o piano,
numa orquestra pungente e
angustiante, sublinhando o
canto emocionado de uma
Carolina, em desespero e
evocativa. Uma interpretação
eloquente, sábia e
consciente, respeitando os
cânones e rigores de uma
escola clássica, de uma
clareza invulgar.
Continuando, a grande
surpresa da noite: Um
Francisco Mignone
completamente desconhecido.
Numa linguagem moderna, que
poderíamos classificar como
contemporânea, numa linha
vagamente impressionista:
Sete Líricas, baseadas numa
versão francesa de sete
poemas do poeta persa Omar
Khayyán. Compostas entre 7 e
10 de janeiro de 1932: Les
Rubáiyat – Oh! Viens avec le
vieux Khayyán – Ah! Ma bien
aimée ...- L’espérance de ce
monde – Et le désert sera
mon paradis – Et cette herbe
délicieuse - e – Regarde la
rose qui fleurit près de
nous. – São conceitos da
filosofia sufi, sobre a
efemeridade humana: Vem,
encha a tua taça, joga a tua
vestimenta invernal no fogo
da primavera – Não sabes o
que te espera no dia de
amanhã, trata de ser feliz
agora...
Foram momentos de
encadeamentos sonoros de
intensa beleza, numa
vocalidade intensa de
melismas orientais, de
dificuldades pretensamente
insuperáveis, que foram
sobejamente alcançadas. O
piano da Eliara cantou como
nunca. A voz de Carolina,
reinou soberana. Uma magia
que envolveu a todos.
Comovente em todos os
sentidos. Uma obra prima
universal, à espera da
suprema conquista.
Depois foi a vez de Bellini.
Da ópera I Capuleti e I
Montecchi, tivemos a ária,
“Deh tu, bell’anima”, onde
Romeu julgando que a sua
amada Julieta está morta,
canta a sua dor, que só será
superada por sua própria
morte. Uma interpretação
magistral, sóbria e
dolorosamente contida. Piano
e canto solenes, tiveram uma
resposta calorosa da plateia.
E chegou a vez da ária “O ma
lyre immortelle”, da ópera
Sapho, de Gounod. Narra a
lenda da poetisa grega,
Sapho, que vivia na Ilha de
Lesbos e foi a pioneira em
defesa da igualdade dos
sexos e a percursora do
feminismo. Este momento é o
final da obra:
Numa praia da ilha ao por do
sol:
Phaon, Glycère e os
conspiradores vieram se
despedir do seu país. Sapho
chegou a dizer-lhes adeus
mas Phaon a amaldiçoa. Ela o
perdôa e o abençoando,
atira-se do alto do
penhasco, morrendo no mar
revolto.
Momentos de um lirismo
comovente. Carolina e Eliara,
entrelaçaram suas artes, com
ternura e devoção. Uma
maravilhosa versão, desta
obra quase esquecida de
Gounod.
Neste ponto, Carolina pediu
cinco minutos para pausa e
um pouco d’agua. Atendendo a
pedidos clamorosos, Maria
Josephina Mignone, nos
brindou com uma versão
inesquecível, da Valsa de
Esquina nº 8.
Aplaudidíssima, Jô aliviou
as tensões para o
prosseguimento do recital
Em seguida, Carolina correu
um risco cantando o
“Suicídio”, da ópera, La
Gioconda, de Ponchielli. Uma
ária escrita para soprano
dramático, cheia de graves
intensos e sonoros, prato
cheio para a voz da Carol e
para a sonoridade da Eliara.
Outro momento final. Outro
suicídio. Uma infeliz
Gioconda segue a última voz
do seu cruel destino e crava
um punhal no seu peito,
diante de um implacável
Barnaba.
Encerrando o recital,
“D’amour l’ardente flamme”,
ária da “Danação de Fausto”,
de Berlioz. Ária favorita da
Carolina. Só em seu quarto,
Margarida foi seduzida e
abandonada por Fausto. Ela
espera o seu regresso e
relembra a noite em que o
conheceu.
Quanta beleza expressa na
voz da cantora. Sofrimento e
lembranças se confundiram. O
piano sublinhou o canto, com
recato e presença sonora
marcante, encerrando com
leveza sutil, o um recital
memorável.
Como bis, Carolina e Eliara
nos brindaram coma ária
“Must the winter come so
soon”, da ópera “Vanessa”,
de Samuel Barber, que
estreou no Metropolitan –
NY, em 15 de janeiro de
1958. Conta uma intricada
história, de uma senhora
aristocrata, que durante 20
anos, aguarda a volta do seu
amado. Quem chega é o filho
dele. O seu amado está
morto. Erika, a sobrinha de
Vanessa se apaixona por ele,
mas Vanessa vence a parada.
Quem ficará esperando agora,
será a sua sobrinha.
Um final elegante, de um
recital cuidadoso e
caprichado nos mínimos
detalhes, arrebatando os
presentes, que reconheceram
os imensos momentos da
grande arte do Duo Mignone.
Bravos e mais bravos e
Carolina Faria e a Eliara
Puggina. Vale a pena sair de
casa para assistir momentos
sublimes assim.
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Da esquerda para a
direita: Lauro
Gomes, Carolina
Faria e Eliara
Puggina após o
recital
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