20/04/2017
Crítica do concerto de Philippe Jaroussky no
Rio
Iniciando a temporada da
Dell’Arte, a notável
empreendedora e empresária
Myrian Dauelsberg, não
poderia ser mais feliz, na
escolha de um dos maiores
artistas da atualidade, para
esta empreitada. Foram
momentos inesquecíveis de
requinte, elegância e
emoções que se sucederam,
inebriando um público
encantado e surpreso, com o
refinamento e a técnica de
Philippe Jaroussky.
“Um som mais próximo do
céu”, dizem da arte dos
contratenores. Jaroussky (na
foto ao lado) tem
especial preferência, por
protagonistas perversos que
exigem um virtuosismo
diabólico, a personagens
angelicais. É surpreendente
o quanto ele já cantou. Além
de uma dúzia de álbuns solo,
ele colaborou em cinco
gravações de ópera e nove
álbuns de árias, arrebatando
quase todos os prêmios de
gravação. A voz de beleza
extraterrena de Jaroussky,
atinge a perfeição no seu
estilo de execução, na sua
segurança, respiração e
fôlego. Cada performance do
contratenor francês, foi uma
celebração. Foi delirante,
comovente e inesquecível.
Quem assistiu, saiu
abençoado do Theatro
Municipal.
Georg Friedrich Händel,
nasceu em Halle an der Saale,
Alemanha, no dia 23 de
fevereiro de 1685. Começou a
sua carreira musical em
Hamburgo, como violinista e
depois maestro da ópera
local. Partiu para a
Inglaterra e em 1726,
tornou-se Cidadão Britânico,
servindo ao Rei George I.
Tinha grande facilidade para
compor, como prova sua vasta
produção, que compreende
mais de 600 obras, muitas
delas de grandes proporções,
entre elas dezenas de
óperas, oratórios e música
instrumental. Sua fama em
vida foi enorme, tanto como
compositor quanto como
instrumentista, e mais de
uma vez foi chamado de
"divino" pelos seus
contemporâneos. Sua música
se tornou conhecida em
muitas partes do mundo, foi
de especial importância para
a formação da cultura
musical britânica moderna, e
desde a metade do século XX
tem sido recuperada com
crescente interesse.
Em janeiro de 2015, o
violinista Julien Chauvin,
fundou um novo conjunto de
instrumentos, com a meta de
reviver uma famosa orquestra
do Século XVIII a Concert de
la Loge Olympique, fundada
em 1783. A maioria dos seus
músicos eram maçons. Hoje a
Le Concert de la Loge,
acompanha Philippe Jaroussky,
na sua triunfal jornada
artística pelo mundo.
O concerto, inteiramente
dedicado a obras de Händel,
começou com a abertura de
Radamisto, a primeira ópera
do compositor, para a
Academia Real de Música, em
1720.
Em seguida tivemos da ópera
“Flavio Re de’Longobardi”,
composta em 1723, a 4ª cena
do 1º ato: o recitativo “Son
pur felice” e a ária “Bel
contento”. Presença marcante
de Jaroussky, momentos de
felicidade e alegria, com
instantes de puro êxtase,
dificuldades e destreza.
Seguiu-se, da ópera “Siroe,
Re di Persia”, 12ª composta
para a Academia, estreada em
1728, com 7 representações:
“Son stanco” recitativo e
“Deggio morire oh stelle!” –
Philippe expressa as
desilusões do herói. Estou
cansando injustos deuses. As
estrelas são testemunhas do
seu desejo de morrer...
Melancolia, habilidade
extrema e a serenidade de um
talento intenso.
Logo após, a Le Concerto de
La Loge, nos deu uma versão
primorosa do Concerto Grosso
op. 6 nº 1 em Sol Maior, de
Händel. O mais famoso da
série. Um ritmado adagio de
abertura seguido por alegro
vibrante. Outro adagio de
sabor italiano e mais dois
breves movimentos alegres.
Volta Jaroussky para cantar
da ópera “Imeneo” – “Se
potessero i sospir miei”- se
os seus lamentos pudessem
acabar com os seus
sofrimentos. Momentos
doloridos e facilidade de
vocalização. Händel começou
a escrever esta ópera em
setembro de 1738 e só
terminou em 1740. Imeneo é o
deus da celebração dos
casamentos.
Prosseguindo, o contratenor
mostrou todo o seu cabedal
dramático com o recitativo
“Vieni d’empietà” e a ária
“Vile, se mi dai morte”, da
ópera “Radamisto”.
Resistência e tenacidade.
Que esforço colossal,
perícia e arte. Um triunfo
que encerrou a primeira
parte do programa.
Na 2ª parte, Jaroussky
cantou o recitativo “Che mi
chiama alla gloria” e a ária
“Se parla nel mio cor”, da
ópera “Giustino”, estreada
em 16 de fevereiro de 1737,
no Covent Garden Theatre, em
Londres. Instantes de
esplendor e euforia.
Vocalizes eletrizantes e
firmes. Ótima performance.
E o programa foi num
crescente emotivo e forte.
Dois momentos da ópera
“Tolomeo, Re d’Egitto”, que
foi 13ª e última ópera
composta para a Royal
Academia. Estreou no dia 30
de abril de 1728, no King
Theatre, de Londres e teve 7
representações. “Inumano
fratel”, recitativo e
“Stille amare”, ária.
Philippe parecia estar no
limite da sua arte. Que
ímpeto, que voracidade.
Sublime e fantástico.
E novamente a presença da Le
Concerto de la Loge, com a
Música Aquática, excertos.
No original, é integrada por
3 suítes no total de 20
movimentos, quase todos de
danças. Composta em 1717
para acompanhar uma festa do
Rei George I, no Rio Tâmisa.
Outra visão impecável do
grupo. Alegre e campestre,
com um frescor único. Bravos
aos músicos.
E novamente surge um
Jaroussky, intenso e
intimista, numa
interpretação magistral da
ária “Ombra cara”, da ópera
“Radamisto”. Um canto em
louvor a alma da esposa
morta. Triste e solene,
momentos de reflexão e lenta
agonia. Soberba a presença
do cantor. Comoção na
plateia. Uma lição de bel
canto.
E encerrando o programa mais
dois momentos da ópera
“Flavio, Re de’Longobardi” –
O recitativo “Privarmi
ancora! E a ária “Rompo i
lacci” – Privar-me ainda, e
- Quebro os laços. Desespero
e revolta. Philippe
Jaroussky, com desalento e
fúria, deu uma demonstração
do que talento e obstinação
conseguem. O público de pé,
o aplaudiu na plenitude que
o calor humano consagra.
Bravos ao cantor que sabe
valorizar a sua imensa arte
e que respondendo aos apelos
da plateia, cantou nos três
extras as
famosas árias – “Lascia ch’io
pianga”, da ópera Rinaldo, e
"Si, la voglio e la ottero", e "Ombra mai fù", ambas da ópera Xerxes.
Indescritíveis estes
flagrantes. Ficarão
eternizados nas lembranças
de todos os que tiveram a
felicidade presenciar estes
momentos.
Parabéns a equipe da Dell’Arte,
sempre atenciosa e gentil.
Bravos a loucura sã de
Myrian Dauelsberg, que nesta imensa crise que
atravessa o nosso país, nos
conforta e alegra com o
poder da arte.
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