16/05/2016
Pelo Buraco da Fechadura, um triunfo
no teatro alagoano
E Deus disse: - Faça-se a luz! E a
luz se fez.
As palavras trazem a luz, simples
assim. O teatro vive da comunicação
direta; intérpretes e plateia. Em
“Pelo Buraco da Fechadura”, o teatro
está vivo, unificado pela magia de
um texto vibrante, intensamente
poético, que precisa ser dito com
convicção, clareza e emoção. Um
grande desafio que só os grandes
atores possuem.
A peça é uma grande reflexão sobre o
teatro e a glorificação da vida.
Pulsante, pungente, alegre, triste e
amorosamente afetiva.
No palco, dois velhos atores se
reencontram depois de anos. Gil e
Vicente, entardecidos e
enternecidos, dialogam sobre a magia
do teatro. Gil é dramático, emotivo
e rigoroso. Vicente é um cômico,
histriônico e vibrante. Os dois
buscam uma volta aos palcos e
procuram um texto que justifique
este retorno. É um embate de emoções
que se sucedem transbordante de
poesia.
Gil - Tudo se enxerga quando
espiamos pelo buraco da fechadura,
lugar onde nada se esconde. Nem os
sentimentos, nem os enigmas, nem a
condição humana. Basta abrir um olho
e fechar o outro...
Vicente – Temos uma espécie
de ancestralidade artística.
Herdamos a composição biológica dos
grande artistas universais. Nós
somos Édipo, Hamlet, Antígona,
porque o sangue deles é o nosso
sangue. A genética da arte, da nossa
arte!
Gil – Criar ilusões sem
precisar se preocupar com a
realidade. Essa é a verdade do
teatro. E nós, atores, somos
feiticeiros, fazemos ser o que não é
, e fazemos não ser o que é. Nós
mentimos... mas é verdade.
Vicente – A linguagem só é
enigmática, até que outro enigma o
decifre.
Gil – Flora, Dolores,
Augusta. Juntas cantaram a canção da
despedida numa celebração ao que é
possível, transformar com o amor, o
que está morto.
Vicente – Acho que a idade não deve
ser medida pelo anos já vividos, mas
sim, pelos anos que ainda desejamos
viver.
No final Gil e Vicente se fitam
reflexivos.
Vicente –
Amizade. O espelho onde me vejo
quando olho pra você, meu amigo.
Gil - O veneno do teatro é
a bebida que nos embriaga. Esse
desejo de ver e entender o mundo.
São pequenos trechos do enredo que
mais parece uma improvisação de
frases verdadeiras e doloridas.
O texto é de Leda Almeida Guerra,
psicanalista, historiadora, com pós
doutorado em Psicologia Social pela
Universidade Aberta de Lisboa e
professora da UFAL. Leda transpira
poesia. Inspirada pelas tertúlias e
vivência com os atores, desenvolveu
uma trama eloquente e intrigante,
que envolve e enlaça os intérpretes,
numa simbiose espiritual, onde o
consciente se junta ao inconsciente,
defrontando eros e tânatos num
embate eletrizante. Bravos a nova
promessa do teatro brasileiro. Leda
é mais do que uma esperança; é
realidade viva.
O Espetáculo
José Márcio Vieira Passos, é um ator
tarimbado e festejado pelo público
alagoano. É comovente a sua entrega
e no domínio da sua arte, que cativa
e aprisiona todo o mundo. Ele
incorpora Gil, com a técnica e
segurança dos intérpretes imponentes
e abençoados pelo deuses do teatro.
Homero Cavalcante, é um dos maiores
atores que conheci. Tem o poder e a
autoridade, da arte de fazer rir.
Vicente por natureza, sabe controlar
com perfeição os tempos da comédia.
Pausa, olhares significativos e
interação completa com o seu
antagonista. Não se desliga nunca.
Mais um trabalho que dignifica as
suas conquistas.
O cenário, adereços, figurinos e
projeto gráfico de Agélio Novaes, um
dos maiores artistas plásticos do
país - retratam com simplicidade, o
fantasioso e colorido mundo dos
velhos artistas. Uma gigantesca
corda entrelaça os elementos da
cena. Uma grande escada, as três
mulheres encarnadas em marionetes
penduradas, um grande painel,
máscaras da comédia e da tragédia;
apetrechos cênicos que valorizam o
espetáculo.
A trilha sonora é ao vivo: Bruno
Palagani, no violão, cavaquinho e
bandolim – Wilson Miranda, na
percussão e a Natália Mota, soprano,
ilustram oniricamente, sublinhando
com precisão, os grandes momentos
das falas.
O músicos são excelentes e
dedicados. Natália, uma voz
belíssima, afinada ao extremo.
Perfeita no canto a cappella,
interpretando com contenção e
leveza, trechos da La Traviata,
Tosca, canções como Melodia
Sentimental, Casinha Pequenina e uma
arrepiante Incelença, imortalizada
por Nara Leão. Uma verdadeira
artista que deveria ter apoio das
autoridades, para a divulgação da
sua arte.
Como assistente da produção,
execução da luz e do som, Michael
Wanderson - atento e ligado no
cumprimento dos seus afazeres.
Como diretores e concepção do
espetáculo, os atores José Márcio e
Homero Cavalcante.
Em resumo: Exemplo vivo do Teatro de
Participação, numa comunhão e
entrosamento diretos com a plateia
que lotou o Teatro de Arena,
constituída em sua maioria por
jovens. Delírio ao final do evento.
Uma peça feliz, trabalhada
exaustivamente e consagrada
triunfalmente. Bravos ao grande
acontecimento que enobreceu o teatro
de Maceió. Esperamos ansiosos por um
retorno em breve. Viva o Teatro
Alagoano.
Em comemoração ao Dia do Teatro
Alagoano – 14 de maio – aniversário
de Linda Mascarenhas, a grande
incentivadora e praticamente a
criadora, do teatro local.
Lauro Gomes – Diretor e autor
teatral
José Márcio Vieira Passos, Lauro
Gomes e Homero Cavalcante, após -
Pelo Buraco da Fechadura.
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