Antes do samba, da bossa-nova, da lambada
e de Michel Teló (sim, ele fez um sucesso
momentâneo na Europa com "Ai, se te
pego"), um ritmo genuinamente brasileiro
que fez sucesso dentro e fora do país
foi o Maxixe. Também chamado na época
de "tango brasileiro", entrou na moda
na capital do país (na época, o Rio
de Janeiro) entre o fim do século XIX
e o início do século XX.
Podemos dizer que o maxixe é um descendente
direto do lundu (ritmo afro-brasileiro
ancestral do samba), amestiçado com
o som da polca européia e da habanera
espanhola. Nomes ilustres que escreveram
maxixes famosos são Chiquinha Gonzaga
e Ernesto Nazareth.
O mais interessante é que o maxixe não
se restringiu ao Rio de Janeiro. Na
verdade foi o primeiro ritmo brasileiro
"tipo exportação": foi tocado e dançado
em Portugal, França e outros países
europeus. Nos Estados Unidos, por volta
de 1910 a 1915, chegou a virar uma espécie
de dança exótica da moda, chamando a
atenção pela sensualidade no modo que
os casais o dançavam, sem dúvida
uma novidade em uma época em que mulher
e homem trocando afetos em público era
considerado uma imoralidade. Beijar
na boca em público então, nem se fala,
era caso de polícia mesmo.
Exatamente por isso, o maxixe chamou
a atenção lá fora. Os europeus e americanos
nunca tinham visto uma dança tão provocante,
onde homem e mulher dançam colados,
e mexendo os quadris juntos. O maxixe
virou moda nos Estados Unidos mais ou
menos na mesma época em que o tango
- outra dança escandalosamente sensual
para a época - foi descoberto pelos
americanos, na época ávidos por novidades
exóticas de países distantes.
De acordo com a descrição de um
jornalista carioca em 1905, no maxixe
o casal dançava com os pés arrastando-se
graciosamente, e os quadris ondulando,
encostando suas testas e brevemente
entrelaçando seus membros. E eles ficavam
assim, com os corpos juntos durante
todo o baile. "Rosto com rosto, corpo
com corpo..."
Essa sensualidade picaresca do maxixe
chamou tanto a atenção nos Estados Unidos
que houve inclusive dançarinos americanos
ensinando o ritmo. A foto à direita
mostra o casal de dançarinos americanos
Irene e Vernon Castle, famosos nos Estados
Unidos no inicio do século XX, ensinando
passos do maxixe. Claro que adaptado
para o público americano, que com aquela
pudícia vitoriana tipica da cultura
anglo-saxônica da época, não estava
preparado para ver um homem e uma mulher
dançando "quadril com quadril", como
os "desinibidos" cariocas faziam. Assim,
em vez de encostarem ou remexerem os
quadris, os americanos ondulavam o corpo
sincronizadamente. Em vez de encostarem
a testa um no outro, permaneciam com
as mãos entrelaçadas durante a dança.
Os Castles lançaram um livro sobre dança,
e nele descreveram o maxixe como “uma
exótica expressão de felicidade e espontaneidade
juvenil”. Abaixo, você pode assistir
a um video onde os Castles aparecem
dançando maxixe em um filme mudo de
1915. Lembrando que na época, os filmes
mudos eram acompanhados por música ao
vivo (geralmente um pianista), vale
observar que a música que toca no video,
que foi acrescentada depois para sonorizar
o filme, é o maxixe "Dengoso" de Ernesto
Nazareth, em uma versão orquestral gravada
na época nos EUA.
Abaixo, voce pode ouvir uma gravação
completa de "Dengoso", gravado
pela Victor Military Band em Nova Jersey,
EUA, em 19 de Janeiro de 1914.
Uma
prova de que o maxixe não foi esquecido
nos EUA é o video abaixo, com uma apresentação
do grupo norte-americano The Ragtime
Skedaddlers tocando "Dengoso" no Festival
of the Mandolins na cidade de San Francisco
em 2012.
É interessante ressaltar que nos EUA
existem músicos americanos que apreciam
não só a bossa-nova ou o samba, mas
também o maxixe, e principalmente o
chorinho, e regularmente se apresentam
tocando estes ritmos. Posso citar o
violonista
Ron Galen,
cujo trabalho conheço bem, como um excelente
exemplo.
Quanto à Ernesto Nazareth, é importante
citar que as dezenas de maxixes/tangos
brasileiros que ele compôs entraram
tanto no repertório da música popular
como no da erudita. Isso se deve ao
fato de que Nazareth possuia um estilo
de composição muito refinado, dir-se-ia
mesmo chopiniano, ultrapassando a fronteira
da música popular. Por isso, até
hoje regularmente tocado por pianistas
em salas de concerto no Brasil e no
exterior. Só para se ter uma idéia de
como Nazareth continua firme no repertório
erudito, em 2013, conforme notícia publicada
no jornal
O Estado de São
Paulo, ele foi tocado em
concertos na Alemanha, EUA, Indonésia,
Japão, Noruega e Portugal.
Para saber mais sobre Ernesto Nazareth,
o portal
Ernesto Nazareth
150 anos é uma fonte completa
de informações biográficas, fotos e
partituras do compositor. E para quem
quiser pesquisar mais sobre a história
do maxixe e da música brasileira do
inicio do século XX, uma excelente fonte
de informações é o site
Ao Chiado Brasileiro,
do músico e colecionador Roberto Lapicirella.
No site, voce também pode ouvir algumas
gravações raras da época, incluindo
os primeiros discos gravados no Brasil
pela Casa Edison.
Quanto à Chiquinha Gonzaga, a mais completa
fonte de material na internet é o portal
chiquinhagonzaga.com.br,
coordenado pelos pianistas Alexandre
Dias e Wandrei Braga. O portal traz
informações biográficas, fotos, partituras,
e muito mais.
E para fecharmos este artigo com chave
de ouro, vamos viajar no tempo e voltar
para o Rio de Janeiro do tempo de nossos
bisavós, no longínquo ano de 1904, para
ouvir "Café Avenida", um gostoso maxixe
com sabor de Rio Antigo, gravado na
Casa Edison, a empresa pioneira que
iniciou as gravações sonoras no país.
"Café Avenida" foi composto por Anacleto
de Medeiros, um dos mais importantes
compositores populares do Brasil no
inicio do século XX, e aqui é executado
pela Banda da Casa Edison.