03/04/2017
Crítica da ópera Jenufa no Municipal
do Rio
A estréia de Jenúfa ontem no
Theatro Municipal do Rio de
Janeiro, foi um triunfo histórico
da ópera nacional. Incrível,
que com tanta crise e revezes,
esta obra venha a luz, num teatro
meio vazio ou meio cheio - com
toda a eloquência de uma obra
prima - lapidada como um valioso
diamante, que espantou com o
seu brilho fulgurante, levando
o público, ao final, aplaudir
com entusiasmo, de pé e emocionado.
Um dos mais belos momentos a
que pude assistir na nossa maior
casa de espetáculos. Os amantes
da verdadeira arte, não podem
se furtar de prestigiar esta
montagem, cantada somente por
brasileiros, que deram uma estupenda
lição de dignidade, fazendo
renascer uma esperança já meio
esquecida, pela incompreensão
dos nossos dirigentes, que teimam
em fazer da arte, um instrumento
de uma politicagem sem sentido.
Jenůfa é uma ópera em três atos
por Leoš Janáček, baseada na
peça Její pastorkyňa ("Sua Enteada"),
de Gabriela Preissová. Estreou
em Brno (Brünn), atual República
Tcheca, em 21 de janeiro de
1904.
É uma obra sobre infanticídio
e redenção, característica por
seu realismo cru. A terceira
ópera de Janáček, com libreto
do próprio compositor, demorou
quase 10 anos para ser escrita.
A versão original da peça, que
é a mais representada atualmente,
foi considerada excêntrica em
seu estilo e orquestração, o
que motivou Janáček a revisar
a obra. Após a alteração foi
bem recebida, inicialmente em
Praga, posteriormente em todo
o mundo. Mais de 70 anos se
passaram até que as plateias
pudessem ouvir novamente a versão
original de Jenůfa.
Jenůfa – Ópera em três atos
Coprodução com a Companhia de
Ópera Livre
Música: Leoš JANÁČEK (1854-1928)
Libreto: Do compositor (Baseado
na peça “Její pastorkyňa” [“Sua
enteada”] de Gabriela Preissová)
Concepção e Direção cênica:
André Heller-Lopes
Cenários: Daniela Taiana
Figurinos: Sofia di Nunzio
Desenho de Luz: Fábio Retti
Coro e Orquestra Sinfônica do
Theatro Municipal
Direção musical e Regência:
Marcelo de Jesus
ELENCO
Jenůfa – Gabriella Pace
Kostelnička Buryjovka – Eliane
Coelho
Laca Klemeň – Eric Herrero
Števa Buryja – Ivan Jorgensen
Starek e Prefeito – Vinícius
Atique
Starenka Buryjovka – Carolina
Faria
Karolka - Flávia Fernandes
Jano – Michele Menezes
Tia – Daniela Mesquita
Mulher do Prefeito – Andressa
Inácio
Barena – Tatiana Nogueira
Pastora – Beatriz Simões
Coros: Recrutas, garotas, aldeões
e músicos.
Dias 2 e 9 de abril às 17:00
Dias 4 e 7 de abril às 20:00
Baseada em uma peça teatral
da escritora realista Gabriela
Preissová, a ópera conta a história
de uma jovem humilde de um povoado
da Morávia. Apaixonada pelo
jovem Steva. Jenufa fica grávida
dele, mas é também desejada
por Laca, meio irmão do seu
amado. Com uma facada no rosto,
a jovem é desfigurada por um
enlouquecido Laca. A madrasta
de Jenufa, Kostelnicka, esconde
a enteada em sua casa onde ela
dá luz a um menino, sem que
o povoado saiba.
Steva, rejeita o amor de Jenufa
já que ela está feia, e a ele
não interessa um filho. Dará
dinheiro para a sua criação
mas rejeita a paternidade. Laca
continua lutar por seu amor,
mas hesita ao saber que Jenufa
tem um filho. Kostelnicka, o
convence que a criança morreu,
para que ele se case com a sua
enteada. Depois, pega a criança
e a afoga num rio gelado das
redondezas. Jenufa é acusada
de ser a culpada pela morte
da criança. Kostelnicka confessa
o seu crime, obtendo o perdão
da enteada. Laca reitera o seu
amor pela moça e os dois juntos,
atravessarão uma nova vida repleta
de lembranças amargas.
A ópera, de Janacek, é um longo
discurso melodioso, onde o canto
é o principal instrumento. A
orquestra sublinha as tensões,
os momentos dramáticos, festivos
e suaves, criando uma sonoplastia
do enredo. O resultado é fantástico
e envolvente.
A montagem, vinda do Colón de
Buenos Aires, é bonita, vistosa
e atraente. Cenários, figurinos,
iluminação e coreografia, tudo
funcionou e somou com eficiência.
O elenco
A Jenufa de Gabriella
Pace, não poderia ser
mais feliz. Voz ardente,
afinada e finamente
conduzida, Pace brilhou
pela categoria e firmeza.
Seu canto pairou pungente,
amoroso e amargurado
pelas exigências do
seu papel. Impressionante
o seu domínio cênico
e entrega.
Coube a Eliane Coelho
dar vida a Kostelnička
Buryjovka. O que dizer
do assombro da sua apresentação?
Eliane é uma verdadeira
diva. Instrumento vocal
privilegiado que primou
pela beleza, segurança
e harmônicos inesquecíveis.
Seus graves e pianíssimos,
perfeitos. Figura cênica
arrebatadora, dramática
e sensível, mostrou
que está no apogeu da
sua arte. Recebeu uma
ovação consagradora
de uma plateia atenta
e justa. Foi emocionante. |
Eliane Coelho e Lauro
Gomes após o espetáculo
|
Eric Herrero, viveu um Laca
Klemen divino. Que voz! Um trompete
triunfal que se adoça melancolicamente,
segurando pianíssimos de leveza
incrível. Um trabalho que ficará
marcado em sua bela carreira.
É seguramente, um dos melhores
tenores da atualidade.
Ivan Jorgensen, viveu um Steva
Buryja boêmio e irresponsável.
Quem acompanha a carreira do
Jorgensen, conhece a sua abnegação
ao trabalho. O seu belo timbre
é sempre dosado, com dedicação
e estudo. Fez bonito e com desenvoltura.
Consciente e inspirado, foi
agraciado com a confirmação
dos seus esforços artísticos.
Irretocável.
O Starek e o Prefeito foram
interpretados valentemente pelo
barítono Vinícius Atique. Voz
bem colocada, arejada e atraente.
Senso de equilíbrio e bem planejadas
concepções cênicas.
Carolina Faria viveu Starenka
Buryjovka soberba. Altiva e
serena, voz de belo timbre quente
e grave, fluiu mansamente o
seu potencial com requintes
e uma caracterização muito bem
elaborada. Ótimo desempenho.
A serviçal Karolka, foi esplendidamente
defendida por uma Flávia Fernandes,
linda e participante. Voz de
primeiro time e uma figura que
cativa. Teve a grandeza de viver
uma pequena personagem para
a sua capacidade artística.
Jano com Michele Menezes, a
Tia de Daniela Mesquita, Andressa
Inácio - como a Mulher do Prefeito,
Barena com a Tatiana Nogueira
e a Pastora de Beatriz Simões,
deram uma substancial colaboração
cênica. Firmes e precisas, demonstraram
que já são mais que meras promessas
e que aguardam maiores responsabilidades
no futuro.
O coro do Theatro Municipal
é um dos maiores orgulhos
do país. Bem preparados,
foram exímios como recrutas,
garotas, aldeões e músicos
do povoado. Cantando
num idioma difícil e
estranho como o tcheco,
ainda bailaram danças
camponesas com desenvoltura.
Valentes e guerreiros.
Foram uma das boas certezas
da noite.
A coreografia simples,
leves e alegres de João
Wilmar levaram em conta
a bucólica atmosfera
campestre.
O regente e diretor
musical Marcelo de Jesus
segurou, com mãos firmes,
os andamentos e ritmos
da obra, sempre cuidadoso
em não deixar que som
abafasse as vozes solistas.
A nossa orquestra, constituída
de professores e músicos
da mais refinada estirpe,
deram uma lição de espirito
coletivo, tocando com
garra e desprendimento.
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Fernando Bicudo, Eliane
Coelho e Lauro Gomes.
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A concepção e a realização cênica
de André Heller, foi sobejamente
festejada pelo público. Uma
récita de esplendor único. Montagem
histórica que deveria ser gravada
para a posteridade.
Os corpos estáveis e os funcionários
do Theatro Municipal, vivem
um momento de aflição. Com salários
atrasados, contas para pagar
e uma vida incerta para viver.
Todos se esqueceram das mazelas
e se juntaram numa força colossal,
para uma resposta lindíssima
ao público. Show de competência
e talento. E vivas aos nossos
heróis que não se esmorecem
nunca. Bravos!!!!!!
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