por Ricardo Tacuchian
14/03/2018
Edino Krieger, pela passagem de seus 90 anos de idade no dia 17 de março de 2018. Uma breve notícia biográfica.
Baseado em trecho do livro “50 Anos de Música no Brasil (1950-2000)” que estou escrevendo.
EDINO KRIEGER (BRUSQUE, SC, 1928) E ALGUMAS DATAS REFERENCIAIS: 1928, 1965, 1998 E 2018.
Qualquer classificação ou divisão temporal da obra de um artista é apenas um artifício para facilitar a abordagem da vida e da produção do criador. Diferentes tipos de abordagem podem resultar em classificações diversas. A que propomos nesta breve memória tem fundamentos na biografia do compositor. Outras propostas de classificação podem ser apresentadas, sob diferentes pontos de vista.
DATAS REFERENCIAIS
Em 1998 Edino Krieger, então Presidente da Academia Brasileira de Música, completou 70 anos. Várias comemorações, no Brasil e no exterior, marcaram esta data festiva. O Centro Cultural Banco do Brasil realizou um ciclo de cindo concertos dedicados à obra do mestre. Sua música foi tocada em várias cidades brasileiras, como João Pessoa, Belo Horizonte, Londrina, Porto Alegre, Santos, São Paulo e Rio de Janeiro. A cidade do Rio de Janeiro lhe conferiu a Medalha Pedro Ernesto, a mais alta insígnia concedida a personalidades do meio cultural. Ele recebeu a Medalha Carlos Gomes, da União Brasileira de Escritores e a Medalha Rui Barbosa de Mérito Cultural da Casa Rui Barbosa.
As comemorações pelos 70 anos tiveram repercussão também no exterior. Seu Concerto para dois violões e cordas foi estreado pelo Duo Assad na Bélgica (Bruxelas) e na Espanha (Gran Teatro de Córdoba). O próprio compositor apresentou o Canticum Naturale, regendo a Filarmônica Südwestfalen (Colônia, Alemanha). Todas estas homenagens representaram a consagração de um nome que está definitivamente gravado na história da música brasileira. A partir de 1998, Edino Krieger inicia uma nova fase em sua vitoriosa trajetória de artista e animador cultural.
Outra data fundamental na biografia de Krieger foi o ano de 1965. Ele vinha de um longo período sem compor, refletindo sobre uma nova direção a ser dada à sua obra. Antes de 1965, Krieger já havia experimentado uma linguagem francamente dodecafônica (por influência de seu mestre Koellreutter) ou explicitamente nacionalista (por reminiscência de sua infância em Brusque, sua terra natal ou das primeiras lições recebidas de seu pai, Aldo Krieger [1903-1972], um importante músico e professor daquela época). A partir de 1965 Krieger procurou conciliar uma linguagem contemporânea com elementos brasileiros. As Variações Elementares, escritas em 1964, marcam esta nova fase estética. A obra só foi estreada em 1965, no III Festival Interamericano de Música, em Washington, DC, sob a regência de Guillermo Espinosa. Neste mesmo ano, Krieger escreveu Ludus Symphonicus, por encomenda do Istituto Nacional de Cultura y Bellas Artes da Venezuela, sendo estreada no ano seguinte, pela Orquestra Sinfônica da Filadelfia, sob a regência de Stanislaw Skrowaczewski, no III Festival de Música de Caracas. Ludus Symphonicus foi uma obra importante porque, na verdade, é a primeira de uma trilogia sinfônica constituída por peças que guardam várias afinidades estilísticas entre si e seguem a nova linha estética adotada pelo compositor. Outra peça desta trilogia é o Canticum Naturale, encomendada pela Orquestra Filarmônica de São Paulo que realizou sua estreia no mesmo ano, sob a regência de Jacques Bodmer, no Theatro Municipal de São Paulo. A terceira peça, Estro Armonico, foi escrita em 1975, por encomenda feita para o VIII Festival de Música do Paraná e estreada no mesmo ano no Teatro Guaíra (Curitiba), com a Orquestra do Festival, regida por Roberto Schnorremberg. As Variações Elementares e a trilogia sinfônica de Krieger caracterizam o estilo do compositor desta fase, quando sua obra “se reveste de uma exterioridade vanguardista mas com uma grande coerência interna e com nítidos vínculos com a tradição” (trecho de R. TACUCHIAN. “Uma trilogia sinfônica de Edino Krieger” in Debates, Cadernos de Pós-Graduação em Música, 3 [maio de 1999]: p. 7-23).
Voltando a 1965, Edino Krieger foi convidado a participar do Seminário de Compositores das Américas, realizado na Indiana University. Recebeu no mesmo ano o Award of the Metropolitan Board of Trade, de Washington, DC e a Medalha do Mérito Carlos Gomes. Por fim, foi em 1965 que ele escreveu a música de cena para a comédia Sonhos de uma Noite de Verão de William Shakespeare.
Portanto, 1965 e 1998 são dois marcos referenciais no biografia de Edino Krieger e que servem de base para esta breve biografia do compositor.
1928-1965. FORMAÇAO MUSICAL E PROCURA DE UMA LINGUAGEM PRÓPRIA
Edino Krieger nasceu em 17 de março de 1928, descendente de alemães e italianos, pelo lado paterno e de portugueses e índios, pelo lado materno. Suas primeiras lições de música foi com o maestro Aldo Krieger, com quem iniciou-se no violino. Aos 14 anos foi estudar no Conservatório Brasileiro de Música (Rio de Janeiro), com bolsa de estudo do governo de Santa Catarina. Nesta ocasião, conheceu Koellreutter que lhe exerceu uma marcante influência artística e intelectual. Suas primeiras obras, como o Improviso para Flauta, de 1944, apresentam uma certa coloração impressionista, porém, com apenas 17 anos de idade recebeu o Prêmio Música Viva, por sua Música 1945 (para oboé, clarineta e fagote), uma peça serialista. A partir de então, passa a fazer parte do grupo Música Viva, liderado por Koellreutter e constituído por jovens expressões musicais da época como Cláudio Santoro, Guerra-Peixe e Eunice Catunda. Krieger segue esta orientação serial até 1952 quando a abandona por uma linguagem mais nacionalista como é o caso do Choros para flauta e cordas.
Com 20 anos de idade Krieger tirou o 1º lugar no Concurso para Jovens Compositores da América Latina, promovido pelo Berkshire Music Center de Massachussets, onde foi estudar com Aaron Copland e Darius Milhaud. Mais tarde vai para a Juilliard School of Music, em Nova York, para estudar composição com Peter Mennin. Concomitantemente tem aulas de violino com William Nowinsky (assistente de Ivan Galamian) na Henry Street Settlement School of Music. Krieger atuou como violinista da Mozart Orchestra de Nova York e representou a Juilliard no Simpósio de Compositores dos Estados Unidos e Canadá, realizado em Boston.
Com 21 anos de idade retorna ao Brasil e inicia uma longa carreira na Rádio MEC, como produtor de programas, Diretor Musical e assistente da Orquestra Sinfônica Nacional daquela emissora. Krieger completou sua formação musical básica no III Curso Internacional de Verão de Teresópolis, recebendo aulas de Ernst Krenek (1952) e na Royal Academy of Music de Londres, com bolsa concedida pelo Conselho Britânico (1955). Em Londres, Krieger estudou com Lennox Berkeley.
Nesta primeira fase da vida e obra de Krieger destacam-se, além das obras já citadas, sua música para piano, entre elas as três sonatas (uma para piano a 4 mãos) e a Sonatina, as Miniaturas compostas em sua fase dodecafônica, o Quarteto de Cordas nº 1, Brasiliana para viola e cordas, as obras para orquestra sinfônica tais como Contrastes, Abertura Brasileira e Concertante para piano e orquestra e várias canções e música incidental para teatro e cinema.
Durante este primeiro período de sua carreira, Krieger, além de seu trabalho na Rádio MEC, foi respeitável crítico musical do jornal Tribuna da Imprensa e recebeu prêmios como o Internacional da Paz do Festival de Varsóvia, pela canção If we die, sobre texto de Ethel Rosenberg, o Prêmio da Fundação Rottelini de Roma e o 1º lugar no Concurso Nacional de Composição promovido pelo Ministério da Educação, com a peça Divertimento para cordas. Em 1961 seu Quarteto de Cordas nº 1 recebeu o Prêmio Nacional do Disco.
Assim, em 1965, aos 37 anos de idade, o compositor chegava à plena maturidade artística, dominando seu metier e merecendo reconhecimento geral.
1965 – 1998. GRANDES PROJETOS E DEFINIÇÃO DE UMA LINGUAGEM PRÓPRIA.
A segunda fase da vida e da obra de Edino Krieger é caracterizada pela realização de grandes projetos em prol da música brasileira, quando ocupou importantes cargos em diferentes entidades culturais. Além da já referida trilogia sinfônica, nesta fase Krieger escreveu o oratório cênico Rio de Janeiro, os Três Cantos de Amor e Paz, o Romance de Santa Cecília e o Te Deum Puerorum Brasiliae (todas elas para coro e orquestra). Escreveu, ainda, as Três Imagens de Nova Friburgo, para cordas e cravo obbligato, a Serenata a 5, para quinteto de sopros, as Sonâncias, para violino e piano e para violino e dois pianos, a Camerata, para flauta, clarineta, violino, trombone, contrabaixo e piano, as Telas Sonoras, para quarteto de cordas, Ritmata, para violão, entre muitas outras peças.
Krieger teve algumas incursões na música popular, tendo inclusive se destacado em 1966 e 1967, nos Festivais Internacionais da Canção, no Rio de Janeiro, respectivamente com as canções Fuga e Antifuga e Passacalha. Foi diretor da Divisão de Música Clássica da Rádio Jornal do Brasil e, durante alguns anos, exerceu a crítica musical no Jornal do Brasil.
Os Festivais de Música da Guanabara, nos anos 1969 e 1970, representaram um marco na história da música brasileira, revelando novos valores que hoje são nomes representativos de nossa música. Krieger foi o idealizador destes eventos que representaram o cerne da criação das futuras Bienais de Música Brasileira Contemporânea, que ele dirigiu até a 12ª edição em 1997. Este evento já se encontra em sua 22ª edição e é uma das grandes criações do mestre catarinense.
Em 1976, Edino Krieger foi nomeado Diretor Artístico da Fundação Teatros do Rio de Janeiro (Funterj, atual Funarj), quando organizou as temporadas artísticas do Theatro Municipal e da Sala Cecília Meireles. Foi, também, um dos principais articuladores da criação do Instituto Nacional de Música da Funarte. Em 1981, ele mesmo assumiu a direção do INM onde imprimiu uma nova dinâmica na promoção da música e dos músicos brasileiros. Entre seus projetos se destacam o Memória Musical Brasileira (Pro-Memus), com o lançamento de cerca de 50 LPs, com gravações históricas da Rádio MEC e a edição de 300 partituras e incrementou o Projeto Bandas, a Coordenação de Educação Musical, a Rede Nacional da Música, instituindo a obrigatoriedade de 1/3 de música brasileira, a Comissão de Legislação Musical, a realização das Bienais de Música Brasileira Contemporânea, entre outras iniciativas de grande alcance. Em 1989 ele assume a Presidência da Funarte, Em suma, Krieger, em qualquer lugar que estivesse ou em qualquer posto que ocupasse, sempre se preocupava com a promoção da música brasileira, do músico nacional, da educação musical do jovem e com a preservação da memória nacional.
Neste período, Krieger recebeu em 1969 e em 1988 o Troféu Golfinho de Ouro.
DE 1998 ATÉ HOJE. UM NEOCLASSICISMO COM CORES NACIONAIS.
Com uma coleção invejável de prêmios, conquistados durante toda uma vida de lutas e ideais, Krieger continuou, mesmo depois dos 70 anos, com um vigor quase juvenil, coerente com suas ideias e seu passado. Após suas gestões criativas na Academia Brasileira de Música e num profícuo trabalho de recuperação do acervo do Museu da Imagem e do Som, como diretor da instituição, Krieger continua compondo com aquele domínio da linguagem que só os mestres com sua experiência seriam capazes de realizar. Foi eleito presidente da Academia Brasileira de Música em 1997, função que exerceu em três mandatos, o último encerrado em 2005. Ali ele promoveu a série de concertos Brasiliana, criou a revista Brasiliana, o Banco de Partituras da Música Brasileira, a série Trajetórias (depoimentos gravados de grandes personalidades do meio musical), a linha editorial de livros e catálogos de compositores, o selo especializado em música brasileira de concerto (ABM Digital) e coordenou a compra da sede atual da instituição. Nesta terceira fase de sua vida, a obra de Krieger tornou-se menos especulativa, mas nem por isso menos criativa. Sua linguagem é direta, clara, comunicativa e integra elementos neo-clássicos com traços de brasilidade. Aliás, este, sempre, foi o seu objetivo, mas, agora, ele o alcança na plenitude de sua criatividade. Desta terceira fase, podemos citar alguns exemplos representativos do Compositor Estudos Intervalares (para piano), Passacalha para Fred Schneiter (violão), Embalos (quinteto de sopros), Sonâncias IV (violino e 2 violões), Passacalha para o Novo Milênio e Terra Brasilis (ambas para orquestra sinfônica), A Era do Conhecimento (Cantata), Três Sonetos de Drummond e Silêncios (ambos para canto e piano).
Poucos compositores contemporâneos receberam em vida, um reconhecimento tão grande e uma repercussão tão significativa. Agora, seus 90 anos de idade, no dia 17 de março, estão sendo comemorados festivamente com vários concertos. Sua vida foi sempre coerente com suas ideias e princípios não poupando esforço pela preservação da memória artística nacional e pelo incentivo à vida musical contemporânea.
Neste momento ele está arquitetando algum projeto novo, programando novas composições ou aconselhando e apoiando novos artistas. Ele não para, E este comportamento é o seu principal legado aos jovens de hoje.
Ricardo Tacuchian
Compositor e Regente
Membro da Academia Brasileira de Música
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