por Ricardo Tacuchian
Em 1978 Darcy Ribeiro lançou, pela
Avenir Editora, um pequeno livro
intitulado UnB: invenção e descaminho,
com ilustrações de seu amigo Oscar
Niemeyer. Foi uma das leituras mais
empolgantes e, ao mesmo tempo, mais
tristes que eu fizera até então. Era,
antes de tudo, o retrato de uma época
sombria quando a inteligência brasileira
fora humilhada pela mão do opressor.
Embora todos já conhecessem a história,
a forma como Darcy conta sua utopia de
reconstruir o Brasil, através de uma
nova Universidade era empolgante. Fiquei
tocado por três razões: primeiro porque
sou um cidadão brasileiro. Em segundo
lugar pelo fato de eu ser um educador
militando, desde jovem, na Universidade
brasileira, tendo sofrido seguidas
discriminações devido às minhas
convicções políticas. E, finalmente,
porque acompanhei como testemunha
ocular, a aposentadoria precoce da UFRJ
de uma das maiores figuras da música
brasileira, o maestro José Siqueira,
tendo por base o AI 5. Siqueira, além de
trabalhar na mesma Universidade que eu,
fora, antes, meu professor e era um
grande admirador das idéias de Darcy
Ribeiro.
Não importa se o projeto Darcy Ribeiro
era ambicioso demais para a época. Este
era o seu perfil, sempre à frente de sua
época, polêmico e apaixonado. Sua
decepção amarga pode ser constatada
neste pequeno trecho do livro referido
acima: “Meses atrás, passando
rapidamente por Brasília, de volta de
uma viagem a Manaus, visitei o campus da
Universidade de Brasília que não via há
quatorze anos. Não será novidade para
ninguém que me emocionei muito, ao rever
a macega brasiliana na beira do lago
Paranoá que eu conhecera tanto,
substituída por gramados e arvoredos,
ruas e edificações. Onde o bosque de
árvores regionais que se tinha previsto?
Onde os renques de buritis? Onde tanta
coisa mais apenas pensada, mas que eu
procurava no chão do mundo, cobrando,
querendo que se tivesse concretizado por
milagre?”
Darcy Ribeiro nunca obteve respostas a
estas indagações.
Mais tarde tive contato pessoal com
Darcy Ribeiro na Secretaria de Cultura
do Estado do Rio de Janeiro, onde eu
coordenava projetos de música, dentro da
filosofia da Animação Cultural. Darcy,
inquieto e questionador, estava sempre a
frente das atividades e apoiando novas
propostas que valorizassem a autêntica
manifestação cultural da população do
interior do Estado. Uma dessas
atividades, talvez um pouco teatral mas,
na verdade, o resultado de um profundo
trabalho de base de vários anos, foi o
Grande Concerto que eu regi, com uma
banda composta por dois mil músicos
fluminenses, membros de bandas de todo o
Estado do Rio, se apresentando, em 1985,
na Praça da Apoteose (outra invenção
dele com Niemeyer). Foi o maior conjunto
instrumental de toda a história da
música brasileira. Este delírio só
poderia ser possível com um Secretário
de Cultura como Darcy Ribeiro.
.
Ricardo Tacuchian
Compositor e Regente
Membro da Academia Brasileira de Música
(textos publicados nas colunas deste
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responsabilidade de seus autores.
Dúvidas ou questões, entrar em
contato diretamente com o autor)
Foto: Darcy Ribeiro (reprodução da
internet)
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