Início

Entrevistas

Criticas

Artigos

Concertos

 Concursos e Audições Escolas e Cursos Partituras  Cds / DVDs / Livros Sobre o portal Contato
  • XXII Bienal de Música Brasileira Contemporânea - Os Bastidores de uma Crise

    por Ricardo Tacuchian
    26/10/2017

    Os dois Festivais de Música da Guanabara, de 1969 e 1970, criados por Edino Krieger, é um divisor de águas da música brasileira de concerto. Villa-Lobos havia morrido em 1959 e sua pregação nacionalista era a linha predominante que se fazia presente entre os compositores de então, com raras exceções. Os dois festivais revelaram novos nomes e novas tendências estéticas, abrindo o caminho para um período de intenso experimentalismo vanguardista. Estes dois festivais não tiveram continuidade imediata, mas serviram de fermento para o surgimento da primeira Bienal de Música Brasileira Contemporânea, em 1975. Desde então, em todo ano ímpar, assistimos a uma nova edição do encontro de compositores contemporâneos. Inicialmente era uma Amostra do que havia de mais vivo e representativo na cena musical brasileira. Com o tempo e com a abertura de concurso para jovens compositores que ainda não estavam inseridos na vida musical do país, a Bienal passou a sofrer algumas modificações. Hoje, 42 anos depois de sua criação, a Bienal, além de Amostra de compositores experientes e com uma obra sólida, é, também, um Incentivo a jovens compositores que aspiram a uma carreira com reconhecimento nacional e até internacional. Assim, assistimos, lado a lado, obras de compositores iniciantes, compositores com carreiras em ascensão e compositores veteranos, com uma obra já consagrada. É uma relação saudável sob todos os aspectos porque garante a chegada de sangue novo no universo da música clássica brasileira.

    Entre 23 e 29 de outubro, numa maratona de sete concertos diários, ouviremos, em primeira audição mundial, as obras de 61 compositores brasileiros vivos e mais a obra do compositor Sergio Roberto de Oliveira, recém-falecido e um dos homenageados deste evento. Os outros homenageados são o Embaixador e Musicólogo Vasco Mariz e o maestro e pesquisador Olivier Toni, ambos falecidos este ano e o musicólogo Flávio Silva, ex-Coordenador de Música Erudita da Funarte.

    A realização da XXII Bienal foi uma das mais acidentadas entre todas as Bienais, até agora, devido à instabilidade política do país e à incerteza da liberação das verbas o que acabou ocorrendo, na última hora, mas com cortes radicais. Logo que Michel Temer assumiu o Governo, uma de suas primeiras medidas foi extinguir o Ministério da Cultura, substituindo-o por uma Secretaria Nacional de Cultura, ligada ao Ministério da Educação. Além disso foi criticado por constituir um Ministério exclusivamente de homens. Toda a comunidade intelectual e artística se manifestou contra estas medidas e cinco mulheres, indicadas para assumir o cargo de Secretária de Cultura, não aceitaram o convite. Assim, foi revertida a criação do Ministério da Cultura, assumindo o cargo de Ministro Marcelo Calero. Ficou no cargo por seis meses e pediu demissão, devido a pressões sofridas pelo então ministro Geddel Vieira Lima, para obter um parecer do Iphan a favor de um empreendimento imobiliário irregular. Foi substituído por Roberto Freire que ficou no cargo por menos de seis meses e pediu demissão, depois que foi divulgado um “grampo” comprometedor de Temer e após o Ministro ter sido vaiado na solenidade de entrega do Prêmio Camões ao escritor Raduan Nassar. Assumiu, como Ministro interino, o cineasta João Batista de Andrade que ficou no cargo apenas um mês. Sua demissão foi devida a várias razões que ele declarou à imprensa ter sido “os cortes orçamentários, o esvaziamento do Fundo Nacional de Cultura e o que ele chama de ‘desrespeito’ com as indicações do MinC para a diretoria da Agência Nacional do Cinema (Ancine).” Em outro ponto, a Ministro demissionário afirmou que “a pasta tem um orçamento cada vez menor; é mesquinho para suas atividades. Um pouco antes de eu assumir, houve um corte de 43%. Outro dado é que o Fundo Nacional de Cultura, que no passado já teve R$ 500 milhões em conta, foi entregue ao Roberto [o Ministro anterior Roberto Freire] com R$ 50 milhões. E sabe quanto tem para este ano? Zero”

    Finalmente, assumiu o Minc o atual Ministro Sérgio Sá Leitão, ficando Stepan Nercessian como presidente da Funarte e Marcos Souza como Diretor do Centro de Música da Funarte. O tempo foi passando e as incertezas sobre a realização da Bienal aumentando, especialmente pelos sucessivos cortes de verbas da Funarte. Como não bastasse todo este maremoto de instabilidade política e cortes orçamentários, na véspera da realização da Bienal o Coordenador de Música Erudita da Funarte, Flavio Silva, que havia organizado toda a XXII Bienal, foi demitido e substituído por Anahi Ravagnani que ficou no cargo por apenas três meses. Finalmente José Schiller, o atual Coordenador de Música Erudita foi nomeado, em cima da hora.
    Não é preciso dizer que o planejamento da XXII Bienal, feito nos últimos dois anos, foi bastante abalado. Por justiça, apesar de todas as dificuldades relatadas acima e graças à habilidade e vontade política de Marcos Souza e, agora, também de José Schiller, a XXII Bienal foi realizada, ainda que muito aquém do que se esperava. Os compositores foram pagos, a verba para os cachês (modestos) dos músico foi liberada e a programação se desenvolveu com pleno sucesso.

    A programação musical atende a todas as tendências artísticas dos compositores contemporâneos e às diferentes forças musicais, da música sinfônica, música de câmara e da música eletroacústica. Para a Bienal de 2017 foram selecionados 8 compositores da Bahia, 2 do Distrito Federal, 1 do Espírito Santo, 1 de Mato Grosso, 4 de Minas Gerais, 2 da Paraíba, 4 do Paraná, 2 do Rio Grande do Sul, 1 de Santa Catarina, 12 de São Paulo, 23 do Rio de Janeiro e 1 brasileiro, vivendo no Exterior.

    Trata-se de um evento complexo, envolvendo três orquestras e um sem número de cameristas e solistas, além das instalações específicas para a música eletroacústica. As Bienais necessitam de um planejamento e realização que duram dois anos e precisam de uma estabilidade administrativa, vontade política e entendimento da importância da Cultura para o desenvolvimento de uma sociedade. Enfim, precisa de verbas.
    A Academia Brasileira de Música, durante todo este tumultuado processo, deu total assistência à Funarte, oferecendo sua infraestrutura e sua experiência. Cabe agora à Funarte, com o apoio da Academia, começar a pensar a XXIII Bienal de 2019, fazendo as devidas adaptações, redimensionando o Festival em função das novas realidades e ampliando sua abrangência na área de educação e formação de público.
    Desta vez a Bienal foi salva.

    Ricardo Tacuchian é compositor e regente

     

     

    (textos publicados nas colunas deste portal são de inteira responsabilidade de seus autores. Dúvidas ou questões, entrar em contato diretamente com o autor)


    .

    VOLTAR PARA O ÍNDICE DAS COLUNAS

     





 


 

 

        

 

Copyright 2015/2017 - BrasilClassico.com.br