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  • GENEALOGIA DE UM LIVRO: PREFÁCIO PARA LUIZ HEITOR

    por Ricardo Tacuchian
    21/02/2018

    No dia 12 de novembro de 2017, no Auditório da Biblioteca Nacional, foi lançada a obra:

    HEITOR, Luiz. 150 anos de música no Brasil (1800-1950); prefácio: Ricardo Tacuchian. _ 2.ed. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, Coordenadoria de Editoração, 2016. 336 p. il.; 23 cm._ (Coleção Rodolfo Garcia).

    Abaixo transcrevo o Prefácio que escrevi para esta importante obra.

    Prefácio à 2ª edição

    GENEALOGIA DE UM LIVRO


    A reedição de 150 Anos de Música no Brasil (1800-1950) de Luiz Heitor [Correa de Azevedo] foi uma decisão sábia da Fundação Biblioteca Nacional para atender a uma demanda crescente sobre o estudo de nossa música. Publicado em 1956, dentro da Coleção Documentos Brasileiros, pela Livraria José Olympio Editora, foi, naquela ocasião, o mais importante item bibliográfico abrangente sobre a música no Brasil. Quase 60 anos depois, a musicologia nacional se enriqueceu de novas ferramentas metodológicas e novos conceitos, com uma produção extremamente rica, principalmente depois da instalação dos Programas de Pós-graduação das Universidades brasileiras. Mesmo assim, o livro de Luiz Heitor não perdeu a sua importância como obra que representou, de modo exemplar, a visão musicológica de uma época. Seria temerário afirmar que as primeiras abordagens da música brasileira pelo jovem estudante ou pesquisador de hoje pudessem negligenciar o conteúdo e as informações deste precioso livro. Aquela foi a fase pioneira da musicologia em nosso país em que a visão globalizada da música é apresentada na forma de histórias gerais, com certa inclinação cartesiana ou factual, mas que constitui o alicerce de toda a produção que se seguiu. Ainda assim, Luiz Heitor não deixou de imprimir um tratamento reflexivo sobre as relações entre a criação e a sociedade de cada época focalizada ou de se preocupar com a crítica das fontes de pesquisa. A partir de Luiz Heitor, o rigor metodológico da investigação científica teve um desenvolvimento muito grande no Brasil, até chegar os nossos dias. Apesar de Luiz Heitor manter um estratégico distanciamento da política de sua época, nem por isso ele deixa de adotar a ideologia que valorizava o nacionalismo musical. Ele não é tão explícito, nesta questão, como seu mentor Mario de Andrade, mas, nas entrelinhas, o pensamento do mestre paulista está sempre presente. Afinal de contas, a obra é dedicada a Mario de Andrade, falecido alguns anos antes da publicação do livro.

    Luiz Heitor explica porque delimitou o ano de 1800 para iniciar seu estudo crítico: “Pelo menos até agora nossos conhecimentos de um mais remoto passado musical não permitem ao estudioso, salvo exceções inexpressivas, compulsar documentação que o habilite a julgar, segundo o seu critério, as produções dos mestres que o ilustram”. É bem verdade que Curt Lange já havia publicado, em 1946, o seu artigo pioneiro “La Música en Minas Gerais: un informe preliminar”, no nº VI (1ª parte) do Boletín Latinoamericano de Musicologia. Entretanto, a disciplina metodológica de Luiz Heitor lhe impôs uma certa cautela até que as pesquisas de Lange apresentassem uma documentação plenamente confiável, conforme ocorreu mais tarde. Mesmo assim, Luiz Heitor abre uma perspectiva de recuo de sua datação para o século XVIII, ao afirmar que “é necessário que as pesquisas para a sua reconstituição prossigam ativamente, pois o interesse histórico que apresenta não padece discussão”.

    Antes de 150 anos de Música no Brasil, outras obras abrangentes sobre a música brasileira já tinham vindo a lume. Certamente elas contribuíram para a realização da obra de Luiz Heitor. Relembremos que A Música no Brasil de Guilherme de Melo é de 1908 (com uma 2ª edição em 1947), a Storia della Musica nel Brasile de Vincenzo Cernicchiaro é de 1926 e que a História da Música Brasileira de Renato Almeida é de 1926 (com uma 2ª edição totalmente reformulada em 1942). São obras com seus méritos próprios, às vezes até complementares entre si e com visões ideológicas diversificadas, mas nenhum de seus autores possuía, ao mesmo tempo, o perfil de Luiz Heitor, de historiador, pensador-ensaísta e músico-pesquisador de ofício, isto é, o musicólogo propriamente dito para os padrões da época.

    Um livro da natureza de 150 Anos de Música no Brasil não se escreve da noite para o dia. Luiz Heitor exerceu a crítica musical, em vários jornais da primeira metade do século XX. Teve uma vida associativa muito dinâmica, a frente de várias sociedades como a Associação Brasileira de Música, a Sociedade dos Admiradores de Francisco Manuel, a Sociedade Pró Música e a Associação de Artistas Brasileiros, entre outras. Foi membro fundador da Academia Brasileira de Música. Esta inflação de sua vida associativa lhe proporcionou muitos contatos e testemunhos que forneceram dados valiosos para a sua pesquisa. Em 1932 foi nomeado bibliotecário do então Instituto Nacional de Música, quando teve contato direto com importantes documentos e fontes primárias. Esta experiência resultou na implementação de um significativo projeto que culminou com a publicação, em 1952, da Bibliografia Musical Brasileira (1820-1950), com a colaboração de Cleofe Person de Matos e Mercedes de Moura Reis [Pequeno]. Aliás, em 1997, quando eu era o Presidente da Academia Brasileira de Música, inspirado naquela obra, criei o projeto Bibliografia Musical Brasileira, agora on line, e convidei a acadêmica Mercedes dos Reis Pequeno para lhe dar continuidade, o que ela cumpriu com pleno êxito. No preâmbulo do livro, Luiz Heitor afirma que “Desde 1941, pois, que os autores estão empenhados neste trabalho, procedendo vagarosamente sem precipitação. Pretenderam levantar uma bibliografia completa de 1820, ano que foi publicado o primeiro livro sobre música no Brasil, ao material estampado no curso do ano de 1950”. Indubitavelmente este livro é um dos antecedentes de 150 Anos de Música no Brasil.

    Voltando a 1939, Luiz Heitor assume a cadeira de Folclore Nacional no Instituto Nacional de Música da Universidade do Brasil, com a tese Escala, Ritmo e Melodia na Música dos Índios do Brasil. Estes fatos estão na gênese do livro publicado em 1956. Entre todos os eventos, talvez um deles foi o que mais contribuiu para catapultar a carreira internacional de Luiz Heitor: a criação da Revista Brasileira de Música em 1934. Em 1941 vai aos Estados Unidos, a convite de Charles Seeger, diretor da Divisão de Música da União Pan-Americana, onde permaneceu por seis meses como consultor. Em 1946 foi convidado pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil para assumir o cargo de segundo secretário do recém-criado IBECC, Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura, órgão destinado a ser o representante, no Brasil, da UNESCO (criada um ano antes). A partir daí, Luiz Heitor teve grande projeção internacional o que o levou a assumir, em 1947, uma Secretaria da UNESCO em Paris e, logo depois, a ser empossado como 1º Secretário do recém-criado Conselho Internacional de Música da UNESCO. Luiz Heitor tinha apenas 42 anos de idade e, neste momento, começa uma nova fase em sua vida. Apesar de se aposentar aos 60 anos, ele permaneceu em Paris até sua morte, na véspera de completar 87 anos. Portanto, quando 150 Anos de Música no Brasil foi publicado, Luiz Heitor já vivia em Paris há 9 anos, mas a sua obra estava praticamente estruturada antes de se mudar do Brasil. Junte-se a toda esta genealogia, que começa com a carreira de crítico musical, iniciada no jornal O Imperial, em 1928, aos 24 anos, a sua trajetória de vida. Seguem suas pesquisas sobre o folclore, os textos publicados em diversas revistas, principalmente a Revista Brasileira de Música, seus contatos com outros musicólogos brasileiros e estrangeiros, sua convivência com os principais compositores brasileiros da primeira metade do século XX e seu ingresso no Instituto Nacional de Música, primeiro como Bibliotecário e depois como Professor Catedrático. Em 1950 Luiz Heitor publicara uma coletânea de seus artigos e palestras num volume intitulado Música e Músicos do Brasil (Livraria-Editora da Casa do Estudante do Brasil). Ele dividiu os textos em quatro blocos; I- Introdução; II- Passado e Presente; III- Compositores e sua obra; IV- Vida Musical. É um livro que antecede a obra de 1956. Por fim surge 150 Anos de Música no Brasil (1800-1950), que continua abrindo as portas para os primeiros passos dos estudiosos e pesquisadores que pretendem conhecer nosso passado musical. Vasco Mariz, em seu livro Três Musicólogos Brasileiros: Mario de Andrade, Renato Almeida, Luiz Heitor Correa de Azevedo (Civilização Brasileira, 1983), de onde usei alguns dados citados neste Prefácio, afirma que 150 Anos de Música no Brasil é realmente sua [de Luiz Heitor] mais importante contribuição para a musicologia brasileira”. Logo, esta 2ª edição chega em boa hora.

    A obra está dividida em duas partes: o Século XIX e o Século XX. Os capítulos são desenvolvidos principalmente em torno dos principais compositores de cada época, mas alguns capítulos se referem a fatos mais gerais como “Da Igreja ao Teatro”, “Do Teatro ao Concerto”, “Advento do nacionalismo” e “A Ópera”. Ela é enriquecida com inúmeras notas de rodapé e completada com vasta bibliografia e índice alfabético. Nenhuma outra obra do gênero, até aquela ocasião, fora tão abrangente e rigorosa. A publicação de uma edição ampliada e corrigida, de acordo com as novas doutrinas musicológicas e descobertas documentais seria quase que escrever um novo livro e não faria justiça a Luiz Heitor. A decisão de publicar uma edição moderna, porém mantendo o texto original se impôs.

    150 Anos de Música no Brasil foi um marco na historiografia musical brasileira. Um livro com tal consistência teve uma longa e sólida genealogia. E continua vivo até hoje, agora revigorado por esta 2ª edição da Biblioteca Nacional.
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    Ricardo Tacuchian
    Compositor e Regente
    Membro da Academia Brasileira de Música

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